O Cantinho da Cultura Caramela
Grande Entrevista
António Balburdino (Valdera)
Pintor, escritor, activista anarco-ecologista, guardador de gado, vendedor na reforma agrária, antigo militante e dirigente regional da secção caramela do MRPP, são apenas algumas das pistas que podemos dar para que se possa conhecer melhor este homem.
Esta semana, a Frente de Libertação Caramela teve a honra de entrevistar António Balburdino, residente na bela região de Valdera há 80 anos, sendo conhecido entre a sua gente por Toino da Beiça Larga.
Toino da Beiça, recebeu-nos na sua casa de arquitectura agro-pecuária, logo pela manhã. Gosta de se levantar cedo, antes de o sol nascer, pois assim vê nascer o dia, :” um home rijo bê nascer o sol”.
Começou a trabalhar muito cedo, aos 3 anos já era pastor. Nunca morou noutro local, ser caramelo é para ele, uma coisa natural.
É um homem de rituais. Do seu pai herdou o hábito de começar religiosamente o dia com uma gamela de sopa caramela e um copo de banha de porco caseira, onde embebe levemente e de forma ordenada 4 orelhas de porco cruas. No final, levanta-se e virado para o sol, bebe o copo de banha, de penalty.
O bicho-porco faz parte da sua vida. Com 10 anos, conduzia a pé varas de porcos que ia vender ao marcado de Pinhal Novo. Por vezes tinha pequenos problemas com o seu pai, pois gostava de comer as orelhas dos porcos, chegando alguns animais ao marcado, sem as ditas: „ele garriava cumigo, era um home rijo e balente, dába-me barduada de cada bez quê fazia aquilo, e graças a ele tornei-me um home rijo e brabio”.
Grande defensor da raça suína caramela-mirândesa, a este bicho dedicou a sua vida, percorrendo as vastas planicíes caramelas, distribuindo informação e dando palestras em quase todos os cafés da região. Sobre isto, disse à F.L.C. „ debia-se proteger este bicho. Os homes da câmara e da junta, os que organizam as festas lá na capetal (Pinhal Novo), debiam fazer largadas com o porco caramelo-mirandês. Já vi becheza desta chegarem aos 400 kilos. Na precisamos de toros aqui, o toro na é bicho caramelo. Protejam o nosso suíno, selbaije comó bento”.
Toine da Beiça é também poeta, fazendo parte da corrente neo-realista caramela. Graças a ele, o porco caramelo-mirandês, tem algumas das mais belas páginas da literatura caramela moderna. Vejamos um excerto do seu poema Porco lindo, bicho brabio: „Ó porco bicho selbaije/ na és toro brabo, na senhor/ mas pa te pegar/ é praciso ter coraije, na é preciso ser dótor”. Homem dos sete ofícios, foi também factor na C.P., no ramal Valdera-Fonte da Vaca, abandonando este serviço, quando a linha terminou em 1947. Em relação a isto, diz um dos habitantes de Valdera :”cu Ti Toine da Beiça, ninguém pagava belhete. Nim os homes, nim a becheza, aquilo é quéra bom, iamos pó marcado de autómetora e podiamos levar a becheza toda ca gente. Era homes e porcos, galinhas, enfim hóme, bicheza de toda a espéce a cabalo no cabalo de ferro, todos pó marcado de Pinhal Nobo.”.
Pintor de murais por excelência, podemos apreciar algumas das suas obras, na sede do rancho folclórico de Valdera, onde existe uma coleção considerável de pintura sobre azulejos, todos eles com homenagem ao porco C.M.
Actualmente, percorre a cavalo numa bicicleta a motor, todo o país, dando conferências e seminários gratuitos sobre a liberdade do porco selvagem caramelo. É acompanhado por um tradutor, especialista em caramelo-português, ajudando a traduzir o que diz, tornando mais fácil a comunicação com os seus ouvintes. Homem da natureza, ecologista utópico, foi muitas vezes acusado por alguns de não ser coerente com o que defende. Em relação a isto diz: „sim, dafendo o porco caramelo-mirandês. Ei de dafendê-lo até ó fim, até ó último bicho”.
Quando lhe perguntamos porque lhes come as orelhas, responde convicto, demonstrando uma enorme capacidade de pensamento lógico-dedutivo:”Olhe mê amigo, desde que malembro, desde gaiato, que lido com esta becheza. Se lhes butar múseca ó pé, eles na dançam. Se na dançam é porque são surdos. Se são surdos, é porque na precisam de orelhas”
Homem político, de ideias fixas e espiríto libertário, foi presidente de diversas associações. Actualmente dirige a Associação para a Defesa do Porco Caramelo-Mirandês. Tem prevista a construção de uma sede e conta já com o apoio de alguns mecenas e habitantes locais. Admirado por muitos, odiado por alguns, passa os dias dedicado áquilo em que acredita: „quando na ando em biaije em cunbersas sobre o porco, estou sempre cá (em Valdera), só saio daqui pa ir à raforma agráira”.
Toine da Beiça Larga, não obstante a sua idade, acalenta ainda o sonho de explorar de forma libertária, uma produção agro-pecuária, onde o porco seja livre, dono de si mesmo.
Despede-se de nós com uma frase que repete para si quase todos os dias : „o porco comanda a vida!”.