Esta rubrica serbe pra toda a família contar ao sarão, e prá gaiataige reaprinder a obir histórias intigas à bolta dum sorvete. Atão prestim lá atinção.
O SAPATEIRO E O SPLOINE
Habia um sapateiro que trabalhaba à porta de casa e todo o santíssimo dia cantarolaba lindas cantigas de sua autoria imbentadas na hora (como o “Ó raspa, ó raspa, ó raspa”, “Ao saltar a bala da Salgueirinha, molhei o chispe puz o pé” entre outras). Ele tinha uma ninhada de filhos que andabam sempre à padrada pa rua e opois iam aos cachos de ubas pla borda dos aceiros ali em Baldera, pra matar a fome. À noite, enquanto a mulher fazia a ceia, o home puxaba das canecas, bacias, gamelas e púcaros, e tocava os seus batuques todo coutente da bida. Era uma alegria.
Ora, defronte do sapateiro moraba o Sploine, que era um home ricaço, que reparou naquele biber e teve pelo sapateiro tal compaixão que lhe mandou dar um talego de dinheiro, porque o queria ber totalmente feliz.
O sapateiro lá ficou admirado:
- Mau Maria! Isto chera-me a esturro!
Agarrou no talego do dinheiro e à noite fechou-se na capoera amais a mulher para o contarem. Naquela noite, o pobre home já não tocou nas canecas, nim nos pucaros, nim nas gamelas nim nada. A fedelhaige, sozinha e desalmariada, pôz-se num estrafego pa casa num cagaçal caté a galinhaige caia dos poleiros. Por isso levaram o home mais a mulher a errar na conta. O sapateiro sai da capoera (cheio de pó, penas e notas), foi a caminho da gaiataige e teve de lhes arrear pu lombo com o pau do marmeleiro. E bá roupa! Oubiu-se uma choradeira, como nunca tinham feito quando estabam com mais fome.
De bolta à capoera, dizia a mulher:
- E agora, que é que a gente faz a esta remessa de dinheiro?
- Compramos um Ferrari como o do Sploine.
- Tás parbo! E ê quero lá essas balhanas! E opois quando a gente for à barraige do Rio Frio, como é cagente mete lá dentro tanta gaiataige.
- Oh! Arranjamos um atrelado dum tractor e atamos ó carro com um baraço.
- Isso nã tem aira nhuma! Eu quero mazé uma máquina de labar a roupa que eu tenho as mãos todas arreganhadas, de labar no tanque roupaige até mai não.
- Isso não! Interrâmezio num buraco.
- Interrado?!! Opois perdemos o tino ao dinheiro. É melhor infiar ele na arca.
- Mas pódim roubar ele!... Isto tem que ser ós mês módos.
- E se a gente comprar um terreno baldio pra fazer uma pocilga? Eu sou filha de labrador e puxa-me o corpo prós porcos.
- Nessa não caio eu, opois começabas a chirar a suina.
- Suino és tu.
A pájnas tantas as coisas foram-se azedando. Palabra puxa palabra, o homem arreganha as bentas e atiça duas solhas na mulher. Berreiro duma banda, berreiro da outra, naquela noite ninguem pragou olho (nim as galinhas).
O bizinho Sploine, na sua mansão, bispaba tudo com uns binóculos de infrabermelhos, e não sabia explicar porque é que as coisas começabam a ficar de outro jêto.
Por fim, o sapateiro disse à mulher:
- Sabes que mais? O dinheiro tirou à gente a nossa intiga alegria! O melhor é ir lebar o talego outra bez ao Sploine, e que deixe a gente cá com aquela pobreza que fazia a gente amigos uns dos outros!
A mulher abraçou a ideia com ambos os chispes (porque tinha nos braços uma catrefada de roupa pra labar no tanque). O sapateiro, com bontade de boltar à sua alegria e a da mulher e da fedelhaige, foi entregar o talego de dinheiro ao Sploine. Boltou para a sua casa e pôz-se a cantar e a batucar nos púcaros e panelas, e no dia seguinte foi trabalhar e cantar nobas modinhas todo cuntente como de costume. Acabou.
E AGORA BAIS TU REPARTIR,
ABRE AS GUELAS, ACRESCENTA UM PONTO
PRA AUMENTAR ESTE CONTO,
E PÔR O GAIATO A OBIR.
1 comment:
Balente historia! O sepoloino deve de ser aquele que anda a voar nas festas, o que tem dinheiro, o magnata dos caramelos. Mas o sapateiro sabe que ao ser pobre fica feliz. Esta historia deve tambem agradar aos nossos goverantes. O sepoloino representa o FMI e o sapateiro Portugal. Bela historia!
Post a Comment