A FLC volta ao formato da grande entrevista, desta vez com Júlio Desinçaimado, o ultimo faz-tudo caramelo
Falar de Júlio Disinçaimado é falar de alguém que não se lembra de nada mais do que sempre ter sido como foi. Este é um homem que nunca comprou nada na vida: “só duas ó três bezes na Raforma Agraira no Pinhal Nobo, quando a nha bomba de rega cunstruída cum molas de roupa de madera e alfinetes de prega se abariou”. Já teve estabelecimento aberto na capital, na antiga rua das peixarias, e chegavam clientes de todo o vasto território caramelo, “aquilo era um ber se te abias, traziam tudo pa arranjar: ratoeras pás arganáças, desintupidores de retretes abariadas, flóberes desingatelhadas, cagatórios à antiga portuguesa, daqueles que um home se tinha de pôr de cócoras, ê sei lá, home, os caramelos têm de tudo párranjar”. A profissão aprendeu-a com o seu avô, Balbino Orelhudo, mais conhecido como o Desinçaimado, o famoso inventor do desorbalhador (produto que tira o orbalho das batatas com um mecanismo colocado num barril de madeira). Júlio, fala do seu avô com orgulho, como um mestre que lhe ensinou a difícil arte de tudo fazer. Nim o mê abô nim o mê pai, cumprabam nada, fui habituado a inbentar tudo e a saber arranjar tudo, “par mim éi tão fácil arrinjar um guarda-chuba daqueles do marcado, como desmuntar o motor da nha Sachs, todo desatarachado ódepois de um despique brabio, daqueles im que eu participaba aquando era um gaiato aparbalhado. Par mim tem tudo a mesmo segredo, o home quando monta as coisas, qualquer coisa, usa as mesmas regras. Par mim ei o mesmo: fazer uma sopa de batatas caramelas ó muntar uma antena feita de canos de flóber no telhado para apanhar a rádio antena caramela”.
Do café “Anda Cá Mais Eu” até à sua casa é saudado por todos com respeito e a maior parte deles ainda lhe pede para arranjar coisas, mesmo ali à pressa. A ti Balentina da Pata Larga, traz um desodorizante que “dixou de dar chero, beja lá ó Ti Desinçaimado, o que pode fazer!”, o gaiato do Manel da Pança, traz um tira-olhos-às-rãs que foi o próprio Desinçaimado que inventou, mas que de tanto uso já não funciona. O Julinho do Intulho, bem pedir-lhe uma “máquena que faça desaparecer o intulho”.É com dificuldade que conseguimos percorrer o curto caminho até casa do nosso faz-tudo, que nos conta que “bolta e meia tenho de andar à bardoada ali fora, porque eles pinsam que eu tenho de lhes fazer tudo, se dou uma galheta num gaiato, ódepois bem o pai e às bezes dá bardoada da rija, mas nã mimporto, par mi atei ei bom, porque praciso de me mexer e umas cabeçadas pus quexos dos outros fazim-me bem, desinçaimam-me”. Mas o que nos trouxe aqui, foi “uma espeice de último desejo!”. Júlio Desinçaimado, quer construir o primeiro avião totalmente de fabrico caramelo. No seu quintal, já se pode ver o projecto a tomar forma: “a chaparia, tou a montar com os meios bidons que fui recolhendo, os bancos bou fazê-los com grades de mines derretidas e tenho na mania que isto bai boar pelos céus da caramelândia ca belocidade da pardalaige a fugirim desóstinados depois da foguetaige da festa da Atalaia!”.
Mas sobre isto, falaremos na próxima entrevista a Júlio Desinçaimado, o ultimo faz-tudo caramelo, uma espécie de homes brabios em extinção, que interessa preservar.