22.2.12

CARNABAL 2012

Foi sem surpresa que nesta terça-feira os caramelos saíram pás ruas da capital pra inbentarem mais um corso carnabalesco de grande catigoria. Todos sabemos que as ordens do neoliberalismo são pra acabar com a cultura do nosso pobo, mantendo-o manso nas suas malhadas a ber nobelas parbas, ou intão a amochar no trabalho que nem mulas de carga. Mas isso acabou! O pobo saiu à rua e a inchente foi tal que só pode ser ultrapassada no dia em que o Cristiano Ronaldo se apresentar no plantel do Pinhalnobence.



Aqui está a inchente.
Este ano o carnabal trouxe grandes novidades e isso é o que a gente bai ber.


Antes de mais é parciso dzer que hoube uma grande espera, facto que proporcionou um maior combibio e um melhor reforço de laços caramelos entre a multidão. Podemos ver aqui um quadro típico duma minarda em repouso, perfeitamente integrada no imbiente.


O primeiro carro alegóroco, já se sabe, é o carro da GNR. Por isso esta é uma oportunidade única de podermos olserbar em detalhe a caracterização deste veículo, bem como a foliona que o conduz contrariada. A FLC já fez uma proposta pra cravar um varão no tejadilho e pôr uma dúzia de geninhas a dançar lá im cima (só com a combinação e o chapéu), mas este projecto foi chumbado nas altas patentes desta instituição. Temos que nos contentar com o que há!


Logo atrás do carro da GNR, e acompanhada por um enchame de matrafonas, vem a Foliona dos Amigos de Baco a inxotar as matrafonas ca bandeira e a dzer que agora Sim, é que isto bai começar. O carro da GNR é um falso alarme.


Aqui está uma matrafona. Na realidade ela é uma daquelas bonecas que estão sentadas de pernas abertas no meio da cama em cima da colcha. Como é carnabal teve dia de soltura. Só resta saber quem é a menina corajosa, que deixou esta boneca sair prá rua!


Olha! Aqui bai outra! Com este ar de tubarona debe ter bindo do Oceanário (aquele bar ali a seguir às bombas da Repsol como quem bai pro Pintiado). Vem de óculos pra nã se ber as olheiras, que ontem à noite o ambiente estebe forte.


Agora vem a secção dos batuques e dos padeiros. Mas o que mais desperta a atenção é aquela espanhola ali à esquerda, disfarçada de enfermeira. Se a malta da construção cibil, lá empoleirados dos andaimes bisse passar uma espanhola deste porte, com uma mine na mão, pareciam logo rouxinóis com assobios de acasalamento.


Eis O Carrinho de Mão. Uma obra escultural única que cruza a metatransformática com a itinerância, propondo sempre um olhar tensivo ao observador. Dada a sua componente dinâmica, este carro alegórico de modestas dimensões, repõe ano após ano, a discussão de temas atuais que cruza a boçalidade mediática com os seus choques culturais. O artista/performer empurra a obra com luvas brancas e, ao mesmo tempo, sopra para uma mangueira, provocando não só o contraditório como também uma sucessão de realidades sobrepostas ou, se quisermos, a reinvenção de novas leituras.



Na mesma linha de carros alegóricos de pequeno formato, temos o andarilho móbel que leva no portabagaiges uma geleira cheia de afrodisiacos. À frente leva um cartaz a dzer "Reformado+baile=Gáita murcha", uma fórmula matemática testada pelas sucessivas experiências feitas no laboratório da Associação de Reformados Pensionistas e Idosos do Pinhal Novo. As reformadas é que não gostam desta fórmula e fazem tudo por tudo para alterar as leis da física.


Agora é altura da bicheza. Neste caso temos um galo a tomar conta de uma dúzia de frangas.


E agora um papagaio a querer entrar pra dentro da codaque.


Um caramelo que interrompeu a laboira pra bir ao carnabal.


Aqui está um dos atibistas da ala Rebola Bilhas do Gás do MPPPNGPEPONG. A seguir vem o mais famoso cabeçudo da caramelândia. A cabeçuda (mulher do cabeçudo) este ano doia-lhe a cabeça e nã apareceu.


Atrás do cabeçudo vêm sempre os Bardoada à bardoada, uma relação íntima de muitos anos.


Os Amigos de Baco e menina do capuchinho bermelho a dar copos de binho. Deixim-se de se armar em lobos pra trincar as pernas da repariga! Olhem mazé prás setas e bejam adonde está o binho.


Elementos da FLC à procura de agentes infiltrados da CIA, da KGB e da PIDE que querem acabar com o nosso carnabal.


NALGAS NALGAS NALGAS.
"Onde há nalgas há bicheza, onde há bicheza há nalgas" ditado popular da Fonte da Baca (perto da Sela).


Eis uma equipa de motocultivadores da reforma agrária num exemplo cooperativo de equilíbrio e de contrabalanço. Basta empoleirarem-se dois homes em cima da alfaia para evitar que o trator levante as patas de trás e afocinhe de frente.


A Lagoa da Palha estebe im força este ano! Podemos ber aqui o protótipo duma carabela adaptada para a nabegação nas águas turbuletas da Bala da Salgueirinha. Opois podemos olserbar a Toiota Dina em todo o seu explendor.


E agora aqui está! O ponto máximo de caramelidade neste carnabal só pra intelectuais de primeira apanha. É um abanço qualitativo nos conceitos entrudológicos, razão porque o carnabal caramelo deberia ser escrito nos mais altos pregaminhos da arte contemporânea. Olserbemos. À frente apresenta-se uma figura esfíngica sobre um pedestal que é o contrapeso do trator. Revela-se aqui um profunda pesquisa plástica direcionada para o abstracionismo geométrico. A coreografia carnabalesca é reduzida à quietude absoluta impondo um lugar de reflexão. Trata-se pois da folia social e popular hiper-emprenhada no contexto, mas elevada a um plano solitário intemporal. A imobilidade ganha uma dimensão lúdica com a presença intensa de cores primárias, estruturadas com a harmonia volumétrica do trator. Poderiamos aprofundar mais a nossa análise, mas fiquemos apenas pelos dois totós laterais da esfinge que, em contraste com o seu sorriso monalísico, remete-nos para uma realidade ambígua exclusiva apenas nas grandes obras primas. Mas há mais!...


Aqui temos mais uma obra de relevo só pra catedráticos de primeira catigoria. O seu formato consiste numa instalação familiar alojada num atrelado que carrega um cubo branco. Esta instalação minimalista explora as duas dimensões do corso carnabalesco: o dentro e o fora. O posicionamento atípico dos foliões no carro alegórico carrega uma obvia intenção para que os dois lados do evento se apropriem um do outro. Inaugura os princípios anamórficos nunca antes explorados nas folias carnabalescas. Assim, ningém sabe de que lado está o corso. Aos autores, bastou nivelar a performance carnabalesca ao mesmo vocabulário da população para que a dupla função se verificasse. Por isso ninguém sabe em que posição está; não sabe se é o folião se é o olserbador. Enquanto uns observam os outros, cria-se o mecanismo de reflexão e de usufruto simultâneo desta duplicidade por toda a população. Está criada uma estética muito eficaz que desvincula os estatutos bilaterais desta atibidade popular.




E agora pra descontrair, aí bêm eles brabios e desinsaimados. Bem tudo ao molhe: marinheiros, ingenheiros, futebolistas, horto-suinicultores e até piriquitos!


Aqui podemos ber que, do ano passado para este ano, os ingenheiros fizeram alguns melhoramentos. Podemos olserbar que o depósito de mines está incorporado no pneu supesselente, no tejadilho. Um dos ingenheiros faz o teste da mine pra ber porque é que o bidro do carro está tão limpinho.


Na cauda do corso vem um tricíclo alegórico com elementos da FLC, sentados à paisana, pra garantir que tudo respeita a nossa cultura. O urso final vai captando os índices de caramelidade residuais na atmosfera.


Bão andando e bão balhando, é o balharico caramelo da Lagoa da Palha com o acordeonista a tocar a modinha "Eu gosto de mamar nas tetas da cabritinha".


E por fim as balhadeiras da Junta de Freguesia, já preparadas com as suas bassoiras alegóricas pra barrer o intulho serpentinoso e ser conservado em lugar seguro. Este ano é terceira vez que este vazilhame de papelinhos é guardado para os anos seguintes. E aqui é que está o segredo do sucesso disto tudo, o caramelo inteligente já sabe que para o ano há outra bez carnabal, por isso guarda (bem guardadinho) o seu material alegórico para que, para o ano, volte de novo a integrar no corso. Não há desperdícios de tempo nem de recursos. Por isso todos sabemos que, para o ano, os carros alegóricos são os mesmos e até melhorados com nobas tecnologias e nobas alusões à actualidade (excepto o da GNR), mas isso não importa nada, o que é importante é a nossa capacidade de estarmos todos juntos na rua, de combibermos, de dibertirmo-nos e de afirmarmos a nossa cultura, tal e qual ela é, sem mendigar dinheiro a ninguém. É a independência total. Uma lição para o mundo.

Pró ano benham outra bez, benham mais e usem, com imaginação, o vosso intulho alegórico.


16.2.12

ESCLARECIMENTO AO PÚBLICO

Foi durante dez longos dias que os esquadrões de busca e salbamento da FLC estiberam à procura do nosso piquete-carteiro, Bitelino Unicórnio, desaparecido desde 5 de Fevereiro. Durante este tempo, a nossa matilha de cães chirou incansavelmente por todo o baldio e estrumeiras das redondezas, e não encontrou o home im lado nhum. E adonde é que ele estava? Estava totalmente interrado debaixo dum monte de cartas endereçadas à FLC. Dada a enxurrada de correspondência, o nosso home nã teve tempo de fugir e por-se a salvo, ficando, por isso, enterrado lá debaixo! Podemos dizer até, que o monte de cartas ganhou tais proporções que se alguém subisse até lá acima podia abistar Marrocos (espreitando por dentro do gargalo duma mine). Com este monte avassalador no meio da planície caramela, houve logo palmelões que quiseram construir compulsivamente um castelo lá no alto, mas as facções brabias da FLC barraram o acesso, como quem barra um suinicultor, munido dum carrinho de mão, à entrada da Sela. Mas o nosso home foi incontrado vivo e isso é que interessa. Depois, todas as cartas foram lidas atentamente em boz alta pra toda a gente obir. E da audição chigamos a uma conclusão: o pobo caramelo ainda lebanta muitas dúbidas estranhas sobre o porquê da punhada, e mais isto e mais aquilo e mais aqueloutro. Muita gente ainda não reconhece a diferença entre uma punhada cívica e uma punhada imbecil. Por isso ainda fazem perguntas como “Será a punhada um mero impulso vindo do subconsciente brabio?” ou “Será um simples movimento brusco por falta de palabras?” ou “Será um regresso em marcha atrás ao paleolítico?” ou “Será uma afirmação desnatada do Ser?” ou até “Será um tique?”

A resposta é “Não”.

E é “Não” porque falamos sempre de punhada cívica.

Mas porque a “punhada cívica” parece ser um paradoxo (como os queijos da Jardia que quanto mais mal cheiram, melhor sabem), a FLC tebe de pôr os chispes à obra e desembolber experiências que comprovem que a punhada cívica é mesmo cívica e não um murro parbo qualquer.

As experiências tiveram lugar no laboratório do MPPPNGPEPONG onde os homes honestos e actibistas preparam a rebolução. Munidos com câmaras de filmar de alta precisão, infracor-de-laranjas, arrotografias e mais eletropunhogramas, foi possível ber com detalhe toda a filosofia contida dentro duma punhada cívica.

Muita coisa foi descoberta e confirmada!

Reconheceu-se as diferenças da punhada de cada home. Desde as punhadas escrupulosas (que retiram previamente os óculos da vítima) até às mais poderosas e fulminantes, podemos olserbar uma surpreendente infinidade de variedades. Entre elas damos aqui alguns exemplos como aquelas enroscadas com uma saída em diagonal; outras, com um início potente e duradoiro, a saírem de ricochete; outras eram lavradas de baixo para cima com um acabamento a seco; outras ainda, decalcavam um ponto morteiro central com efeito giratório. E é aqui que está o segredo! A punhada cívica tem a sua singularidade como as manchas das vacas. Cada home, envolto na razão, imprime o seu traço pessoal e inimitável. A punhada cívica é, nada mais nada menos que uma ASSINATURA.

E como assinatura que é, está deslindada a razão porque um caramelo, quando imprime uma punhada nas fuças dum aldrabão, não desata a fugir, nem diz “eu não fiz isso”, ou “não me lembro”. Uma assinatura comprova a responsabilidade do seu autor, e quem escreve, com o seu próprio pulso, uma punhada nas trombas dum cabrão-traidor, confere o seu nome e toda a sua reputação pessoal. “Não é à toa que as coisas acontecem por acaso” disse um dos nossos pesquisadores no relatório oficial.

Face às análises dos eletropunhogramas desencriptados, ficou explícito que a punhada cívica carrega consigo a rigidez das normas gramaticais do Direito e, ao mesmo tempo, a fluidez da gíria popular consagrando uma das mais eficazes formas de comunicação oficial. A punhada possui dentro de si um tribunal, um sistema jurídico e a sentença lida, tudo compactado na extremidade do chispe quando aborda as fuças, em profundidade, dum pandilha-mentiroso. Embora uma pessoa honesta e trabalhadora possa nunca entender este fenómeno, o certo é que quando um ganancioso-corrupto leba pas fuças, fica logo a saber com quantas tábuas se faz uma capoeira prós piruns. Essa é que é essa! Por isso, uma assinatura caramela, autenticada por uma balente punhada cívica, é a mais eficaz materialização da mensagem que se conhece. Não mata ninguém e ao mesmo tempo exprime a responsabilidade cívica do seu autor convicto e inspirado. A punhada leva, enfim, a sua própria glória de um dia o seu receptor vir a agradecer tão nobre gesto.

Como é uma escrita única, lacónica e fidedigna, cujo discurso substitui a banalidade das palabras, das súplicas e dos gritos, a FLC, em parceria com o MPPPNGPEPONG, decidiu que sempre que haja uma petição pública os caramelos não precisam de assinar o seu nome nem dar o número do Bilhete de Identidade. Em bez disso, dirigem-se pessoalmente (olho no olho) aos excelentíssimos senhores (que fingem que não percebem o que se está a falar) para decalcar uma assinatura pessoal. O único protocolo é: de um lado, levar umas mãozorras cheias de razão e, do outro, haver umas fuças duns execráveis ladrões, que estão mesmo a pedi-las.

A FLC nã tá pra brincadeiras, por isso esperamos ter desendubidado todas as precuras.


SE ÉS CARAMELO E AINDA NÃO TENS ASSINATURA PESSOAL

AJUNTA-TE AO MPPPNGPEPONG E IMBENTA A TUA.

OPOIS BAMOS TODOS UNIDOS

IMPRIMIR UMAS PUNHADAS NO FOCINHO

DA MITRAIGE POLÍTICA E ALDRABÕES AFINS,

QUE ISTO JÁ NÃ TEM TRAMBELHO NHUM!


7.2.12

PUDINS DO PENSAMENTO “O NÓ”


Uma crónica sob total responsabilidade do escritor João das Porras, sobre o existencialismo caramelo e outros distúrbios da realidade, só pra intelectuais de primeira apanha.

São um quarto prás cinco aqui, a 500 metros do cruzamento da Palhota. O meio-bidom incandescente, com a grelha forrada de coiratos e carapaus, mostra a harmonia típica dum presépio vivo à porta do café “Estilhaços de Chouriço”. Esfrego as mãos e experimento os efeites do sol de imberno a aquecer-me os joanetes. Sinto a experiência deste Sol como uma resma de reformados entropecidos na longínqua aspiração de lembranças... uma espécie de matilha de Alzeimers a ganir dentro dum elevador da estação do Pinhal Novo, avariado a meio percurso. Inclino a cabeça como se um barbeiro esquizofrénico me empurrasse o parietal para me aparar a patilha, só com uma nabalhada, e olserbo o firmamento caramelo. Depois concentro-me na brutidade da brisa a raspar na ponta dos ramos, enquanto os porcos, cá em baixo na terra, concentram-se na sensualidade dos seus focinhos, à procura de plásticos e outras verduras pra traçar. Eles são seres libres e sadios, senhores das pastaiges do Lau, o que é o mesmo que dizer que a qualidade dos presuntos, do toicinho e das costeletas, estão totalmente entregues à sua responsabilidade. A meu lado, amontado na cadeira virada ao contrário, está o Zémanel Apagão algemado à sua garrafa de sumol. O fumo do presépio nutritivo vai perfumando a rua ao nível das ventas até se enfiar no cérebro do Apagão que aproveita pra lhe dar umas garfadas fictícias. Ele é o Apagão porque há um apagamento de si próprio, uma espécie da mudez oculta que vai percorrendo o pavio dum patardo histérico enfiado no meio dos tímpanos. Para ele, o nada é um exílio por desbravar. Desbrava agora com todos os Nadólogos do mundo em assembleia, trocando as suas surdinas para o mesmo fim: o relaxamento das sombras até ao apagão absoluto.

Surge agora o Clementino Passadiço amais os seus comparsas. Chegam todos num motim de minardas que imprimem um coro minimalista, muito próprio dos fundamentos musicais dos motores de rega, e amplificados pelos Bardoada que se oubem hoije a quilómetros de distância.

As minardas calam-se. Os homes cumprimentam-nos à entrada do café:

- Atão comé que ei?

- Oh, Coiz! – diz a minha garganta anunciando os sentimentos só pela a voz, ou, se quisermos, o óbvio romantismo celebrado pelo grunhido dum javali quando encontra um cacho de bananas.

Lá dentro do café as mines acabaram de ser abertas e a espuma ainda escorre pelos gargalos gerando um momento hipnótico a todos os homes. Há uma tensão própria no ar que se confunde entre uma cavadela cósmica e o pasmo natural duma motosserra em repouso em cima duma mesa de cabeceira. Dos primeiros goles rompem as primeiras cumbersas de cordoaria paralela, à procura dum nó sem propósito. Entram mais e mais homes, para inaugurar novas variantes do mesmo alinhamento. Eu entro também. As mines à rodada permitem o milagre do desdobramento da ignorância que se vai reinventando uns com os outros sob a mesma substância ativa: uma espécie de espuma de sabão macaco a lubrificar uma enciclopédia hipnotizada. A força centrífuga das rodadas tem um efeito arrebatador no pensamento que faz este deslizar para novos pensamentos, que escorregam para outros assuntos, que escapolem para abruptas opiniões, mas sempre com as mesmas palabras, e expressões. A economia vocabular não vem por acaso: é uma defesa natural, é uma regra de ouro para não se divagar em labirintos meta-transubstanciados à moda de Vitorino Nemésio.

Detenho-me a contar: somos nove homes e binte cumbersas! Mas a contaminação do saber provocante vai-se contraindo, contraindo... vai apertando no sentimento unânime para misteriosa vontade de caçar o momento exato e domá-lo como os tentáculos dum pintassilgo a tentar estrangular um jacaré. SURGE O NÓ! É o nó apoteótico. Ele aperta no ápice em que as cumbersas coexistem nas suas realidades perpendiculares, cruzadas numa nítida caganita de coelho suspensa no ar. É a Crise... é essa epopeia de certezas impertencentes e existenciais. Só a Crise tem o combustível renovável capaz de encher os dias de ópio popular. Ela é perfeita! Talvez seja a coisa mais perfeita porque é intraduzível como o amor à Caramelândia, intraduzível como a arte implícita numa bandeira nacional, feita só com maços de SG Ventis!

Imobilizo-me num propósito bifurcado entre a perfeição e o Nó indesatável do ser. Pergunto-me:

O que é que a bida tem lá dentro?

Cresce-me um aperto unívoco de saciar esta pergunta só com presunto. Depois procuro a resposta nas coisas mais improváveis, como o hálito (próprio do café “Estilhaços de Chouriço”), o orvalho do balcão, ou o conteúdo psíquico do calendário pendurado do Talho “Almorroida Suicida”. Depois excluo os objetos e passo para as criaturas cuja prática da existência possa revelar-me a resposta.

Olserbo ora prá’qui, ora prá’li.

Encontro um centro de referência: debaixo da mesa, um cão lambe a genitália (os “tomates” para ser mais exato) numa terapia canina para alimentar o seu próprio ego. É o círculo fechado da vida em perpétua motivação. Um Nó a desatar-se. Mas é apenas um exemplo de felicidade crepuscular que não chega a atingir o cantar do canário que costura toda a simultaneidade viva...

- Nã éi? Hã? – pergunta-me o Clamentino Passadiço. Depois reforça com voz abafada de sandes de coirato – Anda aquele Emídio Rangel a ganhar uma reforma de trinta mil euros e ainda dizem que há crise?!

- Não há nada mais perfeito que a Crise! – respondo.

- Tás parbo, ou comes merda de galinha? – retorquem todos com salpicos de torresmos.

Depois continuam as bozes em decrescendo até desaparecem pelo breu invernal, amontados nos tiçanitos das suas minardas. Aproveito os rebordos da hora para acabar a última mine do momento. Toda a confusão quieta como a lentidão dum cágado a aprender a andar de trator.

O meu nó aperta ainda mais a pergunta até que... As fitas da porta do café afastam-se, quase por autorrecriação. Pouso a garrafa no balcão e assisto à fantasmagórica entrada daquela figura apagada, enorme, de polainas e garrafa de sumol na manápula. Antes de ele dar o segundo passo, pergunto-lhe:

- O que é que a bida tem lá dentro?

O Apagão responde:

- O caminho.


Desatou!