22.2.12
CARNABAL 2012
16.2.12
ESCLARECIMENTO AO PÚBLICO
Foi durante dez longos dias que os esquadrões de busca e salbamento da FLC estiberam à procura do nosso piquete-carteiro, Bitelino Unicórnio, desaparecido desde 5 de Fevereiro. Durante este tempo, a nossa matilha de cães chirou incansavelmente por todo o baldio e estrumeiras das redondezas, e não encontrou o home im lado nhum. E adonde é que ele estava? Estava totalmente interrado debaixo dum monte de cartas endereçadas à FLC. Dada a enxurrada de correspondência, o nosso home nã teve tempo de fugir e por-se a salvo, ficando, por isso, enterrado lá debaixo! Podemos dizer até, que o monte de cartas ganhou tais proporções que se alguém subisse até lá acima podia abistar Marrocos (espreitando por dentro do gargalo duma mine). Com este monte avassalador no meio da planície caramela, houve logo palmelões que quiseram construir compulsivamente um castelo lá no alto, mas as facções brabias da FLC barraram o acesso, como quem barra um suinicultor, munido dum carrinho de mão, à entrada da Sela. Mas o nosso home foi incontrado vivo e isso é que interessa. Depois, todas as cartas foram lidas atentamente em boz alta pra toda a gente obir. E da audição chigamos a uma conclusão: o pobo caramelo ainda lebanta muitas dúbidas estranhas sobre o porquê da punhada, e mais isto e mais aquilo e mais aqueloutro. Muita gente ainda não reconhece a diferença entre uma punhada cívica e uma punhada imbecil. Por isso ainda fazem perguntas como “Será a punhada um mero impulso vindo do subconsciente brabio?” ou “Será um simples movimento brusco por falta de palabras?” ou “Será um regresso em marcha atrás ao paleolítico?” ou “Será uma afirmação desnatada do Ser?” ou até “Será um tique?”
A resposta é “Não”.
E é “Não” porque falamos sempre de punhada cívica.
Mas porque a “punhada cívica” parece ser um paradoxo (como os queijos da Jardia que quanto mais mal cheiram, melhor sabem), a FLC tebe de pôr os chispes à obra e desembolber experiências que comprovem que a punhada cívica é mesmo cívica e não um murro parbo qualquer.
As experiências tiveram lugar no laboratório do MPPPNGPEPONG onde os homes honestos e actibistas preparam a rebolução. Munidos com câmaras de filmar de alta precisão, infracor-de-laranjas, arrotografias e mais eletropunhogramas, foi possível ber com detalhe toda a filosofia contida dentro duma punhada cívica.
Muita coisa foi descoberta e confirmada!
Reconheceu-se as diferenças da punhada de cada home. Desde as punhadas escrupulosas (que retiram previamente os óculos da vítima) até às mais poderosas e fulminantes, podemos olserbar uma surpreendente infinidade de variedades. Entre elas damos aqui alguns exemplos como aquelas enroscadas com uma saída em diagonal; outras, com um início potente e duradoiro, a saírem de ricochete; outras eram lavradas de baixo para cima com um acabamento a seco; outras ainda, decalcavam um ponto morteiro central com efeito giratório. E é aqui que está o segredo! A punhada cívica tem a sua singularidade como as manchas das vacas. Cada home, envolto na razão, imprime o seu traço pessoal e inimitável. A punhada cívica é, nada mais nada menos que uma ASSINATURA.
E como assinatura que é, está deslindada a razão porque um caramelo, quando imprime uma punhada nas fuças dum aldrabão, não desata a fugir, nem diz “eu não fiz isso”, ou “não me lembro”. Uma assinatura comprova a responsabilidade do seu autor, e quem escreve, com o seu próprio pulso, uma punhada nas trombas dum cabrão-traidor, confere o seu nome e toda a sua reputação pessoal. “Não é à toa que as coisas acontecem por acaso” disse um dos nossos pesquisadores no relatório oficial.
Face às análises dos eletropunhogramas desencriptados, ficou explícito que a punhada cívica carrega consigo a rigidez das normas gramaticais do Direito e, ao mesmo tempo, a fluidez da gíria popular consagrando uma das mais eficazes formas de comunicação oficial. A punhada possui dentro de si um tribunal, um sistema jurídico e a sentença lida, tudo compactado na extremidade do chispe quando aborda as fuças, em profundidade, dum pandilha-mentiroso. Embora uma pessoa honesta e trabalhadora possa nunca entender este fenómeno, o certo é que quando um ganancioso-corrupto leba pas fuças, fica logo a saber com quantas tábuas se faz uma capoeira prós piruns. Essa é que é essa! Por isso, uma assinatura caramela, autenticada por uma balente punhada cívica, é a mais eficaz materialização da mensagem que se conhece. Não mata ninguém e ao mesmo tempo exprime a responsabilidade cívica do seu autor convicto e inspirado. A punhada leva, enfim, a sua própria glória de um dia o seu receptor vir a agradecer tão nobre gesto.
Como é uma escrita única, lacónica e fidedigna, cujo discurso substitui a banalidade das palabras, das súplicas e dos gritos, a FLC, em parceria com o MPPPNGPEPONG, decidiu que sempre que haja uma petição pública os caramelos não precisam de assinar o seu nome nem dar o número do Bilhete de Identidade. Em bez disso, dirigem-se pessoalmente (olho no olho) aos excelentíssimos senhores (que fingem que não percebem o que se está a falar) para decalcar uma assinatura pessoal. O único protocolo é: de um lado, levar umas mãozorras cheias de razão e, do outro, haver umas fuças duns execráveis ladrões, que estão mesmo a pedi-las.
A FLC nã tá pra brincadeiras, por isso esperamos ter desendubidado todas as precuras.
SE ÉS CARAMELO E AINDA NÃO TENS ASSINATURA PESSOAL
AJUNTA-TE AO MPPPNGPEPONG E IMBENTA A TUA.
OPOIS BAMOS TODOS UNIDOS
IMPRIMIR UMAS PUNHADAS NO FOCINHO
DA MITRAIGE POLÍTICA E ALDRABÕES AFINS,
QUE ISTO JÁ NÃ TEM TRAMBELHO NHUM!
7.2.12
PUDINS DO PENSAMENTO “O NÓ”

São um quarto prás cinco aqui, a 500 metros do cruzamento da Palhota. O meio-bidom incandescente, com a grelha forrada de coiratos e carapaus, mostra a harmonia típica dum presépio vivo à porta do café “Estilhaços de Chouriço”. Esfrego as mãos e experimento os efeites do sol de imberno a aquecer-me os joanetes. Sinto a experiência deste Sol como uma resma de reformados entropecidos na longínqua aspiração de lembranças... uma espécie de matilha de Alzeimers a ganir dentro dum elevador da estação do Pinhal Novo, avariado a meio percurso. Inclino a cabeça como se um barbeiro esquizofrénico me empurrasse o parietal para me aparar a patilha, só com uma nabalhada, e olserbo o firmamento caramelo. Depois concentro-me na brutidade da brisa a raspar na ponta dos ramos, enquanto os porcos, cá em baixo na terra, concentram-se na sensualidade dos seus focinhos, à procura de plásticos e outras verduras pra traçar. Eles são seres libres e sadios, senhores das pastaiges do Lau, o que é o mesmo que dizer que a qualidade dos presuntos, do toicinho e das costeletas, estão totalmente entregues à sua responsabilidade. A meu lado, amontado na cadeira virada ao contrário, está o Zémanel Apagão algemado à sua garrafa de sumol. O fumo do presépio nutritivo vai perfumando a rua ao nível das ventas até se enfiar no cérebro do Apagão que aproveita pra lhe dar umas garfadas fictícias. Ele é o Apagão porque há um apagamento de si próprio, uma espécie da mudez oculta que vai percorrendo o pavio dum patardo histérico enfiado no meio dos tímpanos. Para ele, o nada é um exílio por desbravar. Desbrava agora com todos os Nadólogos do mundo em assembleia, trocando as suas surdinas para o mesmo fim: o relaxamento das sombras até ao apagão absoluto.
Surge agora o Clementino Passadiço amais os seus comparsas. Chegam todos num motim de minardas que imprimem um coro minimalista, muito próprio dos fundamentos musicais dos motores de rega, e amplificados pelos Bardoada que se oubem hoije a quilómetros de distância.
As minardas calam-se. Os homes cumprimentam-nos à entrada do café:
- Atão comé que ei?
- Oh, Coiz! – diz a minha garganta anunciando os sentimentos só pela a voz, ou, se quisermos, o óbvio romantismo celebrado pelo grunhido dum javali quando encontra um cacho de bananas.
Lá dentro do café as mines acabaram de ser abertas e a espuma ainda escorre pelos gargalos gerando um momento hipnótico a todos os homes. Há uma tensão própria no ar que se confunde entre uma cavadela cósmica e o pasmo natural duma motosserra em repouso em cima duma mesa de cabeceira. Dos primeiros goles rompem as primeiras cumbersas de cordoaria paralela, à procura dum nó sem propósito. Entram mais e mais homes, para inaugurar novas variantes do mesmo alinhamento. Eu entro também. As mines à rodada permitem o milagre do desdobramento da ignorância que se vai reinventando uns com os outros sob a mesma substância ativa: uma espécie de espuma de sabão macaco a lubrificar uma enciclopédia hipnotizada. A força centrífuga das rodadas tem um efeito arrebatador no pensamento que faz este deslizar para novos pensamentos, que escorregam para outros assuntos, que escapolem para abruptas opiniões, mas sempre com as mesmas palabras, e expressões. A economia vocabular não vem por acaso: é uma defesa natural, é uma regra de ouro para não se divagar em labirintos meta-transubstanciados à moda de Vitorino Nemésio.
Detenho-me a contar: somos nove homes e binte cumbersas! Mas a contaminação do saber provocante vai-se contraindo, contraindo... vai apertando no sentimento unânime para misteriosa vontade de caçar o momento exato e domá-lo como os tentáculos dum pintassilgo a tentar estrangular um jacaré. SURGE O NÓ! É o nó apoteótico. Ele aperta no ápice em que as cumbersas coexistem nas suas realidades perpendiculares, cruzadas numa nítida caganita de coelho suspensa no ar. É a Crise... é essa epopeia de certezas impertencentes e existenciais. Só a Crise tem o combustível renovável capaz de encher os dias de ópio popular. Ela é perfeita! Talvez seja a coisa mais perfeita porque é intraduzível como o amor à Caramelândia, intraduzível como a arte implícita numa bandeira nacional, feita só com maços de SG Ventis!
Imobilizo-me num propósito bifurcado entre a perfeição e o Nó indesatável do ser. Pergunto-me:
O que é que a bida tem lá dentro?
Cresce-me um aperto unívoco de saciar esta pergunta só com presunto. Depois procuro a resposta nas coisas mais improváveis, como o hálito (próprio do café “Estilhaços de Chouriço”), o orvalho do balcão, ou o conteúdo psíquico do calendário pendurado do Talho “Almorroida Suicida”. Depois excluo os objetos e passo para as criaturas cuja prática da existência possa revelar-me a resposta.
Olserbo ora prá’qui, ora prá’li.
Encontro um centro de referência: debaixo da mesa, um cão lambe a genitália (os “tomates” para ser mais exato) numa terapia canina para alimentar o seu próprio ego. É o círculo fechado da vida em perpétua motivação. Um Nó a desatar-se. Mas é apenas um exemplo de felicidade crepuscular que não chega a atingir o cantar do canário que costura toda a simultaneidade viva...
- Nã éi? Hã? – pergunta-me o Clamentino Passadiço. Depois reforça com voz abafada de sandes de coirato – Anda aquele Emídio Rangel a ganhar uma reforma de trinta mil euros e ainda dizem que há crise?!
- Não há nada mais perfeito que a Crise! – respondo.
- Tás parbo, ou comes merda de galinha? – retorquem todos com salpicos de torresmos.
Depois continuam as bozes em decrescendo até desaparecem pelo breu invernal, amontados nos tiçanitos das suas minardas. Aproveito os rebordos da hora para acabar a última mine do momento. Toda a confusão quieta como a lentidão dum cágado a aprender a andar de trator.
O meu nó aperta ainda mais a pergunta até que... As fitas da porta do café afastam-se, quase por autorrecriação. Pouso a garrafa no balcão e assisto à fantasmagórica entrada daquela figura apagada, enorme, de polainas e garrafa de sumol na manápula. Antes de ele dar o segundo passo, pergunto-lhe:
- O que é que a bida tem lá dentro?
O Apagão responde:
- O caminho.
Desatou!